sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Estudo Diário - Apontamentos da Semana


O Evangelho em Gálatas
Lição 5 – Fé e Antigo Testamento
Pr. Matheus Cardoso
Editor-assistente dos livros do Espírito de Profecia
na Casa Publicadora Brasileira

Paulo ensinava que o meio para sermos salvos é apenas a fé em Cristo, e não nossa obediência à lei. A obediência é o resultado da salvação já obtida. Em poucas palavras, esse era o evangelho proclamado por Paulo. Em Gálatas 1 e 2, o apóstolo argumenta que essa compreensão lhe foi revelada diretamente por Cristo (Gl 1:11-24) e tinha a completa aprovação dos líderes da igreja (2:1-10). Em Gálatas 3 e 4, Paulo apresenta uma defesa bíblica e teológica do verdadeiro evangelho.

Resumo da semana: Paulo argumenta que os próprios gálatas, bem como Abraão, haviam alcançado a justificação pela fé somente. O Antigo Testamento como um todo apresenta essa verdade. Aqueles que tentam ser salvos por meio de uma combinação de fé e obras recebem apenas a condenação da lei. A razão disso é que a lei exige perfeita obediência e ninguém é capaz de oferecer isso. Como todos são transgressores da lei, todos merecem o salário do pecado: a morte eterna. Apenas a morte de Cristo nos livra da condenação que a lei impõe aos transgressores e nos capacita a obedecê-la.

A experiência dos gálatas (Gl 3:1-5)
O primeiro argumento apresentado por Paulo vem da realidade prática da igreja. O apóstolo recorre a verdades que os gálatas conheciam por experiência própria. Ele havia pregado o evangelho de maneira tão viva que eles haviam sido capazes de “enxergar” a cruz de Cristo (cf. Gl 3:1).
Paulo, então, faz uma série de perguntas retóricas (v. 2-5). A conclusão dos gálatas seria inevitável: eles já haviam recebido a justificação, e isso havia ocorrido somente pela fé. Como prova dessa justificação, Deus lhes havia concedido o Espírito Santo (v. 2, 3) e realizado milagres entre eles (v. 5). 



A experiência de Abraão (Gl 3:6-9)
Em Gálatas 3:6 – 4:31, Paulo apresenta argumentos retirados do Antigo Testamento para mostrar que a salvação é apenas pela fé. Isso pode ser surpreendente para muitos cristãos. Se o Antigo Testamento tivesse sido abolido, como muitos ensinam, por que Paulo o usaria como base de sua argumentação? E se, durante a época do Antigo Testamento, as pessoas houvessem sido salvas por meio da obediência à lei, como Paulo poderia citar textos dessa parte da Bíblia que ensinam a salvação pela fé somente?
Paulo cita um texto do Antigo Testamento (Gn 15:6) que afirma que Abraão foi justificado apenas pela fé (Gl 3:6). Esse personagem bíblico era considerado pai do povo de Israel e modelo de verdadeiro judeu. O raciocínio do apóstolo é brilhante: se Abraão foi justificado somente pela fé, então nada diferente poderia ser exigido daqueles que desejam alcançar a mesma bênção (v. 7, 9).
Em seguida, Paulo faz uma declaração ainda mais surpreendente: “Tendo a Escritura previsto que Deus justificaria pela fé os gentios, preanunciou o evangelho a Abraão” (v. 8, ARA). O evangelho não começou a ser proclamado no tempo de Jesus e dos apóstolos. Não foi uma inovação de Paulo. Ele já fora pregado a Abraão! A razão disso é que existe apenas um evangelho (Gl 1:6, 7), o mesmo que foi pregado aos israelitas no tempo de Moisés (Hb 4:2) e, antes dele, a Adão e Eva (Gn 3:15) – esse é o “evangelho eterno” (Ap 14:6).

Libertados da condenação da lei (Gl 3:10-14)
Chegamos agora a um texto fundamental da carta: Gálatas 3:10-14. “Praticamente todos os estudiosos concordam que esse trecho é um dos mais importantes de Gálatas.”[1] Como veremos, ele fornece a chave para entender as declarações aparentemente negativas de Paulo sobre a lei.
O versículo 10 afirma: “Já os que se apoiam na prática da lei estão debaixo de maldição, pois está escrito: ‘Maldito todo aquele que não persiste em praticar todas as coisas escritas no livro da lei.’” Ao defenderem os Dez Mandamentos, algumas pessoas imaginam que, nesse texto, Paulo estava criticando os cristãos que guardavam as leis cerimoniais. Nesse caso, o sentido do versículo seria este: “Maldito é todo aquele que guarda as leis cerimoniais, porque não percebem que Cristo já aboliu essas leis.”
Mas o texto não condena quem guarda a lei. Ele ensina exatamente o oposto: “Maldito todo aquele que não persiste em praticar todas as coisas escritas no livro da lei.” Portanto, maldito é quem não guarda a lei! Note que, desde o início de sua argumentação, Paulo exalta a obediência à lei, e não o desprezo a ela.
A seguir, estudaremos alguns pontos importantes de Gálatas 3:10-14.

1. Maldição para quem guarda a lei?
Então, se Paulo condena quem não guarda a lei, como entender a primeira parte do versículo? “Já os que se apoiam na prática da lei estão debaixo de maldição, pois está escrito: ‘Maldito todo aquele que não persiste em praticar todas as coisas escritas no livro da lei’” (Gl 3:10). À primeira vista, Paulo critica quem guarda a lei e, para provar sua ideia, cita uma passagem que critica quem não guarda a lei! Estaria Paulo se contradizendo?
O raciocínio do apóstolo é o seguinte:[2]

1.     Aqueles que não guardam todos os mandamentos da lei, perfeitamente e o tempo todo, estão debaixo da condenação da lei (“Maldito todo aquele que não persiste em praticar todas as coisas escritas no livro da lei”).
2.     Ninguém (exceto Jesus) jamais guardou toda a lei perfeitamente e em todo o tempo (Rm 1–3).
3.     Portanto, visto que não obedecem a lei perfeitamente e o tempo todo, aqueles que tentam guardá-la para ser justificados estão debaixo da condenação da lei, tanto quanto os demais transgressores (“os que se apoiam na prática da lei estão debaixo de maldição”).

Os oponentes de Paulo acreditavam que uma pessoa pode ser salva por meio de sua obediência à lei de Deus. Em outras palavras, eles se apoiavam “na prática da lei”. Diante disso, o apóstolo lembra que a lei exige obediência perfeita, mas seus próprios oponentes sabiam que ninguém obedece perfeitamente à lei (Gl 5:3; 6:13). Portanto, a justificação não pode ser por meio da obediência.
Note o jogo de palavras usado por Paulo. O legalismo é uma grande ironia: aqueles que tentam guardar a lei para receber a bênção prometida a Abraão (a salvação), recebem, em vez disso, a maldição da lei. Os únicos que recebem a bênção da salvação são aqueles que têm fé em Cristo (Gl 3:13).

2. O que é a “maldição da lei”?
Em que exatamente consiste essa maldição? Não existe nenhum problema na lei, mas no ser humano (Rm 7:7, 13; 8:3). Todas as pessoas são pecadoras (Rm 3:23) e merecem o salário do pecado: a morte eterna (Rm 6:23; Ef 2:3). Tudo o que a lei pode oferecer aos transgressores é a condenação pela desobediência. Essa é a “maldição da lei” (Gl 3:13).
A única forma de se livrar dessa condenação compartilhada por todos os seres humanos é aceitar a Cristo pela fé. Em Sua morte, Ele sofreu a condenação que pertencia a nós (Gl 3:13).
O teólogo adventista Ángel Manuel Rodríguez resume Gálatas 3:10-14: “Sendo que ninguém pode oferecer obediência perfeita à lei de Deus, os seres humanos estão debaixo de sua maldição, que é a condenação eterna [Gl 3:10]. No entanto, por meio de Cristo, a lei não pode exercer sua função condenatória sobre aqueles que creem (Gl 3:13). Eles não mais estão debaixo da lei, mas debaixo da graça [Rm 6:14].”[3]

          A chave para se entender Gálatas
Gálatas 3:10 e 13 fornece a grande chave para se compreender as declarações aparentemente negativas de Paulo sobre a lei. Segundo esse texto, “os que se apoiam na prática da lei estão debaixo de maldição” (v. 10), isto é, a “maldição da lei” (v. 13). Essa é a primeira das seis expressões em Gálatas que começam com as palavras “debaixo de”. Confira a lista completa:[4]

·       “debaixo de maldição” (3:10);
·       “debaixo do pecado” (3:22);
·       debaixo da “lei” (3:23; 4:4, 5, 21; 5:18);
·       debaixo de “tutor” (3:25);
·       debaixo de “guardiães e administradores” (4:2);
·       debaixo dos “princípios elementares do mundo” (4:3).

Nesses textos, Paulo argumenta que, a partir da morte de Cristo, não mais estamos “debaixo de maldição”, debaixo da “lei”, debaixo de “tutor”, etc. Todas essas expressões são paralelas; apresentam a mesma ideia.
Para muitos, estar “debaixo da lei” significa submeter-se à autoridade da lei e obedecê-la. Portanto, eles concluem que, depois da cruz, não mais precisamos guardar a lei. Mas quando estudamos a lista acima, percebemos o que realmente significa estar “debaixo da lei”: É o mesmo que estar debaixo da “maldição da lei” e “debaixo do pecado”. Em outras palavras, quem está “debaixo da lei” é quem desobedece à lei, e não quem a obedece!
Isso se torna ainda mais claro quando comparamos dois textos importantes que apresentam a mesma ideia:

·       “Deus enviou Seu Filho, [...] nascido debaixo da lei, a fim de redimir os que estavam sob a lei” (Gl 4:4, 5).
·       “Cristo nos redimiu da maldição da lei quando Se tornou maldição em nosso lugar” (Gl 3:13).

Cristo ter nascido “debaixo da lei” é o mesmo que ter Se tornado “maldição em nosso lugar”. E Cristo “redimir os que estavam sob a lei” é o mesmo que nos redimir “da maldição da lei”.
Ellen G. White confirma o que significa estar “debaixo da lei”: “Há plena certeza de esperança em crer em cada palavra de Cristo, em crer nEle, sendo unidos a Ele por fé viva. Quando essa é a experiência do ser humano, ele não mais está debaixo da lei, porque a lei não mais condena seu procedimento.”[5]
Essa é a chave para se entender os textos difíceis de Paulo a respeito da lei. Sempre que o apóstolo dizia que não mais estamos “debaixo da lei”, ele estava ensinando que Cristo nos livrou da condenação da lei, que é a morte eterna. É por isso que, em Romanos 6:14, Paulo declara que não estar mais “debaixo da lei” significa estar “debaixo da graça”. Ou seja, estar debaixo da graça (ou estar salvo) significa não mais estar debaixo da condenação da lei.
Mas além desses textos negativos sobre a lei, Paulo escreveu muitos textos positivos sobre ela. Os textos negativos falam sobre a condenação da lei, da qual Jesus nos livrou por Sua morte. Já os textos positivos falam sobre a obediência à lei na vida do cristão.
Note que, em Romanos 6:15, Paulo faz questão de esclarecer que aqueles que estão salvos (isto é, que estão debaixo da graça e não mais debaixo da lei) não estão de forma alguma livres para pecar. Ou seja, a salvação não nos isenta da obediência à lei, visto que pecado é precisamente a transgressão da lei (1Jo 3:4). Estar debaixo da graça significa, sim, tornar-se servo de Cristo para a obediência e para a justiça (Rm 6:16-18).
Em outras palavras, o resultado do sacrifício de Cristo é que podemos, e devemos, viver em harmonia com a lei (Rm 8:3, 4). Sua morte nos livrou da condenação da lei (Gl 3:13) e Deus enviou o Espírito Santo para que pudéssemos obedecê-la (v. 14; 5:18; Hb 10:15, 16). Por meio da graça de Deus, o cristão é habilitado a cumprir “toda a lei” (Gl 5:14; cf. Rm 13:8-10), o que inclui o mandamento do sábado.


[1] Thomas R. Schreiner, Galatians, Exegetical Commentary on the New Testament, v. 9 (Grand Rapids, MI: Zondervan, 2010), p. 199.
[2] Adaptado de Schreiner, Galatians, p. 204; Carl P. Cosaert, Galatians: A Fiery Response to a Struggling Church (Hagerstown, MD: Review and Herald, 2011), p. 53.
[3] Ángel Manuel Rodríguez, “The Adventist Understanding of the Law and the Sabbath”, em Lutherans and Adventists in Conversation: Report and Papers Presented 1994-1998 (Silver Spring, MD: General Conference of Seventh-day Adventists; Genebra, Suíça: The Lutheran World Federation, 2000), p. 111.
[4] Em algumas traduções bíblicas, as palavras “debaixo de” não aparecem em todos os versículos. Porém, em grego, todos os textos contêm a palavra hypó, que significa “debaixo de”.
[5] Ellen G. White, Nos Lugares Celestiais, p. 144 (ênfase acrescentada).

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